PCC: Primeira Geração

segunda-feira, 24 de abril de 2017 às 11:31
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Foto: divulgação

*Por Diorgeres de Assis Victorio

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Mister se faz iniciar os estudos do PCC pela ótica da Criminologia Penitenciária (ciências transdisciplinar) visando a uma nova taxonomia e contribuindo com o preenchimento de lacunas de estudos sobre essa disciplina. Este artigo se objetiva a analisar o PCC (suas transformações) com base nos acontecimentos históricos e na parte documental -estatuto (código de conduta criminal) -.

Desde que iniciei na Secretaria de Administração Penitenciária de SP no ano de 1994, a preocupação dos servidores era verificar se realmente a Serpente Negra (uma outra facção criminosa que atuava no cárcere) tinha mesmo sido extinta. Ouvíamos informações dos presos de um tal PCC, o tal partido do crime.

Confesso que na época pensei que fosse um grupo quase que insignificante de presos que estava querendo surgir e não dei muita atenção. Ledo engano: ele já estava sendo espalhado pelo cárcere através do “Piranhão” (Anexo da antiga Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté) e a unidade que trabalho era utilizada como filtro do “Piranhão”.

Ou seja, os presos terminavam de cumprir o “castigo” no RDD de Taubaté e eram enviados a nós para que fizéssemos uma análise dos detentos no convívio no sistema prisional fechado “comum” e verificássemos se era caso de retornar com alguém. Nessa época, não existia legislação federal sobre inclusão de presos no RDD, não havia determinação judicial para isso, somente era feito administrativamente.

Ninguém nos informava se esses presos se intitulavam integrantes de um grupo de presos que nasceu na “Custódia” que se chama PCC e que tinha um Estatuto, que tinha tais objetivos e etc. Era como se fossem presos “comuns”, que apenas saiam da “Caverna” (como assim eles denominavam aquele local) e que estavam ali por término de “castigo”.

Estatuto do PCC

Com o passar do tempo fui tomando conhecimento de documentos do PCC, sendo o mais importante o seu Primeiro Estatuto. Com esse estatuto nascera a Primeira Geração do PCC. Vejamos alguns pontos importantes desse documento e as principais características do PCC naquela época (década de 90):

2 – A Luta pela liberdade, justiça e paz

Verificamos aqui o lema do Primeiro Estatuto: LJP (Liberdade, Justiça e Paz) e não PJL, como alguns ditos especialistas insistem erroneamente em dizer, inclusive mencionando que o PCC tem o mesmo lema do Comando Vermelho PJL (Paz, Justiça e Liberdade).

  1. A contribuição daqueles que estão em Liberdade com os irmãos dentro da prisão através de advogados, dinheiro, ajuda aos familiares e ação de resgate

Nesse artigo encontramos a criação da caixinha do PCC, caixinha essa que deu sustentáculo a vida dessa organização criminosa e que permanece sendo usada até os dias atuais. Outro fato importante é que no Primeiro Estatuto já havia menção de alguns advogados com os mesmos, fato esse que foi amplamente divulgado pela mídia no ano de 2016.

  1. Aquele que estiver em Liberdade “bem estruturado” mas esquecer de contribuir com os irmãos que estão na cadeia, serão condenados à morte sem perdão

Foi criada aqui a “caixinha” para quem também estava em liberdade o que ainda é aplicado nos dias atuais.

  1. Todo integrante tem que respeitar a ordem e a disciplina do Partido. Cada um vai receber de acordo com aquilo que fez por merecer. A opinião de todos será ouvida e respeitada, mas a decisão final será dos fundadores do Partido.

Nesse artigo do Estatuto verificamos o sistema hierárquico (aqui vemos que caberia a aplicação da “teoria do domínio do fato” do jurista alemão Claus Roxin), ou seja, quem mandava matar, ou fazer uma rebelião, ou tomar uma unidade prisional, eram os fundadores do Partido.

  1. O Primeiro Comando da Capital PCC fundado no ano de 1993, numa luta descomunal e incansável contra a opressão e as injustiças do Campo de concentração “anexo” à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, tem como tema absoluto a “Liberdade, a Justiça e Paz”

Mais uma vez aqui é demonstrado que o lema do PCC é “LJP”.

  1. Temos que permanecer unidos e organizados para evitarmos que ocorra novamente um massacre semelhante ou pior ao ocorrido na Casa de Detenção em 02 de outubro de 1992, onde 111 presos foram covardemente assassinados, massacre este que jamais será esquecido na consciência da sociedade brasileira. Porque nós do Comando vamos mudar a prática carcerária, desumana, cheia de injustiças, opressão, torturas, massacres nas prisões.

Objetivo do PCC, inclusive foi o que deu surgimento a organização criminosa: evitar um novo massacre como o que ocorrera na Casa de Detenção de SP.

14 – A prioridade do Comando no montante é pressionar o Governador do Estado à desativar aquele Campo de Concentração ” anexo” à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, de onde surgiu a semente e as raízes do comando, no meio de tantas lutas inglórias e a tantos sofrimentos atrozes

A prioridade do PCC era desativar o Anexo da Custódia de Taubaté. Importante traçar um histórico sobre o Piranhão e sobre o RDD em SP para entendermos melhor essa parte do estatuto.

Em junho de 1985, através do Decreto nº 23.571, era criado um dos mais temidos presídios do sistema carcerário paulista: o Centro de Readaptação Penitenciária Anexo à Casa de Custódia de Taubaté (Piranhão).

Para lá eram enviados os presos considerados “altamente perigosos” do sistema, mas, na verdade, era um local destinado ao cumprimento de medidas de segurança e àqueles portadores de periculosidade. Depois começou a receber presos indisciplinados.

A Resolução nº 12, de 04/05/1987 nos informava que o local era para presos que cometeram faltas disciplinares graves, não deixando de mencionar que deveriam ser presos de alta periculosidade para ingressarem naquele local.

Em 1993, foi criada a Resolução SAP 78, de 26/08/1993, vindo a dar mais um pouco de clareza quanto às hipóteses de inclusão no RDD da Caverna. A Resolução veio a estabelecer o tempo de permanência no RDD (de 6 meses a 2 anos) e os tipos de casos que ensejariam o ingresso no Piranhão (fugas com reféns, lesões corporais cometidas contra funcionários, homicídios e participação ativa em rebeliões).

Um ponto muito importante nessa Resolução (e que gerava muita revolta nos presos) é que, segundo o parágrafo único do art. 5º do documento, o limite de permanência no RDD poderia ser prorrogado por seis meses, sem limite de repetição, sempre que as autoridades (aqui é a Secretaria de Administração Penitenciária) achassem por bem manter um preso lá. Assim, qualquer diretor de presídio solicitava o internamento em RDD.

O RDD no Anexo funcionava em um regime de 23 horas de isolamento e banho de sol em grupos de 7 a 10 presos por menos de uma hora. Apenas nesse breve período os presos podiam comunicar-se entre si.

Importante mencionar que, quando os presos do PCC saiam da Caverna, os detentos de outras unidades acabavam permitindo que aqueles se impusessem sobre a massa carcerária objetivando assistência, proteção e etc., uma das bandeiras do PCC.

A Resolução 26/2001 determinou apenas duas hipóteses de inclusão em RDD: para os integrantes e líderes de facções criminosas e a presos cujo comportamento exijam tratamento específico (Resolução 26/01, art. 1º).

Nessa mesma Resolução 26, estipulou-se um prazo máximo improrrogável de 180 dias na primeira inclusão e de 360 dias nos casos de “reincidência”. Importante mencionar que cumpriram com o objetivo de desativação do Piranhão, o qual agora é Hospital de Custódia e Tratamento de Taubaté (HCTT) não mais Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté (CCTT).

  1. Partindo do Comando Central da Capital do KG do Estado, as diretrizes de ações organizadas simultâneas em todos os estabelecimentos penais do Estado, numa guerra sem trégua, sem fronteira, até a vitória final

Aqui vemos que o PCC já nos alertara que eles objetivavam “megarrebeliões” simultâneas no Estado de SP, o que viera a acontecer no ano de 2001, quando fui feito de refém, sendo amarrado e envolto em colchões de espuma embebidos em álcool, e ameaçado ainda de ser derretido vivo com um cilindro de gás industrial.

Esse fato se repetira em 2006 com atentados na rua.

  1. O importante de tudo é que ninguém nos deterá nesta luta porque a semente do Comando se espalhou por todos os Sistemas Penitenciários do estado e conseguimos nos estruturar também do lado de fora, com muitos sacrifícios e muitas perdas irreparáveis, mas nos consolidamos a nível estadual e a médio e longo prazo nos consolidaremos a nível nacional. Em coligação com o Comando Vermelho – CV e PCC iremos revolucionar o país dentro das prisões e nosso braço armado será o Terror “dos Poderosos” opressores e tiranos que usam o Anexo de Taubaté e o Bangú I do Rio de Janeiro como instrumento de vingança da sociedade na fabricação de monstros. Conhecemos nossa força e a força de nossos inimigos Poderosos, mas estamos preparados, unidos e um povo unido jamais será vencido. LIBERDADE! JUSTIÇA! E PAZ! O Quartel General do PCC, Primeiro Comando da Capital, em coligação com Comando Vermelho CV UNIDOS VENCEREMOS

Nesse artigo, vemos claramente que o PCC objetivava se consolidar a nível estadual e posteriormente a nível nacional. Mencionam na época duas vezes ligações com o Comando Vermelho; nos informavam ainda que iriam revolucionar o país de dentro das prisões. Mais uma vez mencionam o lema Liberdade, Justiça e Paz.

Importante ainda mencionar que, naquela época, ocorriam muitas mortes de sentenciados, muitas rebeliões, rebeliões essas que tinham por objetivo transferir alguns presos do PCC (faziam rebeliões para serem transferidos para uma certa unidade prisional, que muitas vezes estava sem o domínio do PCC, ou que estava sob o domínio de algum outro grupo de criminosos).

A missão era dominar as “cadeias” e implementar as regras do PCC e do Primeiro Estatuto.

*Por Diorgeres de Assis Victorio – Possui graduação em Direito pela Universidade de Taubaté (2004). Atualmente é membro seção brasileira da Associação Latino-americana de Direito Penal e Criminologia, agente de segurança penitenciária de classe v – Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo.

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