O Brasil não tem estatísticas oficiais, nem programa de prevenção específico sobre a Síndrome Alcoólica Fetal (SAF), doença que atinge bebês de mulheres que ingeriram bebidas alcoólicas durante a gravidez.
O alerta é da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Ela está lançando este mês uma ferramenta para ampliar a conscientização das mães e profissionais da saúde sobre os danos da ingestão de álcool durante a gravidez para os bebês. Os pediatras destacam que a doença não tem cura e pode trazer danos irreversíveis para as crianças, como retardo mental e anomalias congênitas.
A plataforma pode ser acessada no site da SBP), onde estão informações gerais sobre a doença e orientações de prevenção e tratamento para mulheres e pediatras. O objetivo, segundo entidade, é aumentar a repercussão da campanha nacional #GravidezSemAlcool e reduzir a ocorrência de novos casos da Síndrome.
Segundo o Ministério da Saúde, a prevalência de Síndrome no Brasil já foi estimada em 1 a cada 1.000 nascidos vivos, índice menor que o registrado em termos mundias (3 em cada mil). Em nota, o ministério reconhece, no entanto, que a estimativa nacional pode estar subestimada, “considerando a dificuldade de diagnóstico, a não obrigatoriedade da notificação e a tendência crescente de consumo de bebidas alcoólicas pelas mulheres e seu consumo significativo pelas gestantes no Brasil”.
O ministério e a SBP destacam um estudo feito em 2008 em uma maternidade pública de São Paulo, em que duas mil mulheres no período pós-parto foram ouvidas. A pesquisa apontou que a incidência do risco de desordens de neurodesenvolvimento relacionados ao álcool chega a 34,1 bebês a cada mil nascidos vivos.
O estudo revela ainda que mais de 70% das mulheres pesquisadas relataram que a ingestão ocorreu sem o conhecimento do estado de gravidez. A nota traz também a informação de que outros estudos locais realizados em São Paulo e no Rio de Janeiro apontam que 33% a 40% das gestantes consomem bebida alcoólica em algum período da gestação, sendo que 10% a 21% o fazem durante toda a gravidez.
O Ministério da Saúde ressalta ainda que “diferentes levantamentos nacionais apontam uma preocupante tendência de aumento do consumo de álcool por mulheres em idade fértil (10 a 49 anos)”. Entre os dados está a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), que, nas últimas edições, mostrou que o consumo de bebida alcoólica entre adolescentes (13 a 17 anos) pode ser até 13% maior entre as meninas do que entre os meninos da mesma idade.
Para os pediatras, a ausência de dados afeta o conhecimento sobre o problema e na formulação de políticas públicas de prevenção ao problema.
“Não há qualquer programa oficial para prevenção dos efeitos do álcool no recém-nascido. No Brasil, as ações do governo focam na prevenção ao consumo das drogas e do álcool, mas, de forma geral, a Síndrome Alcoólica Fetal não é combatida. Nem sequer se sabe o número de afetados que existem no país. Há um déficit de comunicação sobre o assunto e a ausência de prevenção faz com que esse problema, que existe há décadas, se torne sem solução”, disse Luciana Silva, presidente da SBP.
Perfil das mães
Apesar da falta de dados oficiais, os médicos apontam, que o perfil das mães que dão à luz crianças com a síndrome segue um mesmo padrão. “Geralmente, a gestante alcoolista tem um baixo padrão socioeconômico e educacional, seu estado nutricional é comprometido, ela é afetivamente carente e deprimida, sua gravidez não é desejada e o companheiro também é dependente do álcool”, explicou Luciana Silva.
O obstetra Olímpio Moraes, que trabalha em uma das maiores maternidades públicas de Recife, explica que a subnutrição potencializa os efeitos do álcool e acrescenta que os casos são mais frequentes em mulheres alcoolistas e que fazem associação do álcool com outras drogas. O médico sugere que a síndrome pode ser melhor prevenida se houver fortalecimento das ações de planejamento familiar, que podem evitar a ocorrência de gestações indesejadas.
“A recomendação é que as mulheres que usam álcool procurem um método contraceptivo de longa duração, como o DIU (Dispositivo Intrauterino que, colocado no útero, evita a gravidez) ou a laqueadura para não acontecer uma gravidez indesejada. E quando ela quiser engravidar, tem que tratar o alcoolismo e utilizar o ácido fólico mais ou menos 12 semanas antes para prevenção de anomalias e doenças neurológicas, como anencefalia. Então, o ideal é só deixar de usar o método contraceptivo quando já não estiver bebendo e, quando grávida, fazer pré-natal adequado”, recomendou Moraes, que também é diretor da Federação Brasileira das Associações de Obstetrícia e Ginecologia (Febrasgo).
Nível de consumo
Os médicos alertam que um simples gole de bebida alcoólica pode atingir o bebê. Por outro lado, esclarecem que nem todos as crianças que foram expostas ao álcool durante a gestação desenvolvem a síndrome.
Segundo estudo citado pela campanha, estima-se que, das mulheres que usarem álcool na gravidez, de 30 a 50% delas terão filhos com alterações clínicas do desenvolvimento.
Para a SBP e outras entidades que estão envolvidas na campanha, diante do risco e do desconhecimento de níveis seguros de consumo de álcool durante a gestação, a recomendação é que a mulher interrompa imediatamente a ingestão de álcool assim que a gravidez é constatada.
“Não se conhece até hoje nenhum nível de álcool no sangue materno abaixo do qual as malformações deixem de ocorrer. Portanto, tolerância zero para ingestão de bebida alcoólica durante a gravidez é a principal recomendação dos médicos. E os profissionais de saúde devem procurar estudar o assunto para orientar as mães. Este é um alerta continuo e ilimitado”, afirmou a pediatra Conceição Segre, coordenadora da campanha nacional.
“O ideal é não beber, porque a gente não tem esse nível de segurança. Claro que, com uma pequena ingestão uma vez ou outra, a possibilidade de causar algum mal é muito pequena, mas a gente não tem um nível de segurança, então deve-se evitar ao máximo. Quem está amamentando não deve beber, porque o álcool passa para o leite”, reforçou o obstetra Olímpio Moraes.
Diagnóstico
A presidente da SBP, Luciana Silva, ressalta que os danos da doença não podem ser totalmente revertidos, apenas amenizados. O tratamento ocorre por meio de suporte médico, aliado a acompanhamento social e psicológico.
Segundo os especialistas, o bebê é atingido quando o álcool, presente na corrente sanguínea da mulher, atravessa a placenta e fica armazenado no líquido amniótico, que envolvem o feto na barriga da mãe. Uma vez em contato com o cérebro do bebê, que ainda está em formação, o álcool passa por um processo mais lento de metabolismo e não é eliminado facilmente, o que deixa o bebê mais exposto aos seus efeitos.
Os médicos explicam ainda que o diagnóstico da síndrome é feito com mais precisão depois do nascimento da criança, quando podem ser observadas malformações na face e outros defeitos físicos decorrentes da síndrome, como a microcefalia.
O retardo no crescimento (no útero e também depois do nascimento), problemas cardíacos, disfunções na memória e na capacidade de aprendizagem, além de dificuldades de relacionamento e outras alterações comportamentais também são apontados pelos especialistas como indícios tardios da doença.
“A certeza mesmo [do diagnóstico] só depois do nascimento. Quando o caso é grave, algumas malformações podem ser vistas no ultrassom, mas a maior parte [das sequelas] não é possível diagnosticar no ultrassom, só no nascimento e no desenvolvimento da criança, desenvolvimento cognitivo e motor”, explica o obstetra Olímpio Moraes.
O material da campanha alerta ainda que mais da metade das crianças que desenvolvem a doença, quando adultos, são confinadas em instituições de tratamento de doenças mentais, com problemas com a lei e mais chances de se tornarem dependentes de álcool e drogas. Mais de 80% não conseguem se manter no emprego, nem viver de forma independente.
(AGÊNCIA BRASIL)