Pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG) divulgaram um estudo que pode ter grandes implicações na forma como compreendemos a vida no Universo.
Os resultados obtidos sugerem que não foi só a Terra que deu a sorte de se formar na zona habitável do Sol, área que permite a existência de água líquida na superfície e, por consequência, da vida.
Parece que o próprio Sol também se formou em uma região especial da Via Láctea que nos protege de certos fenômenos cósmicos. Eles seriam catastróficos para a vida na Terra, já que poderiam arruinar as condições necessárias para que a biologia prospere, levando a extinções em massa.
Na zona de conforto
Os brasileiros concluíram que o Sol tem moradia fixa bem no meio de dois dos quatro braços espirais que compõem nossa galáxia — Sagittarius e Perseus. Segundo os dados da pesquisa, liderada pelo astrônomo Jacques Lépine, o Sol nunca cruza os braços espirais da Via Láctea.
“Os cientistas têm por certo que, ao atravessar um braço principal, o sistema planetário sofre interações de supernovas e do gás, o que resultaria em um evento catastrófico capaz de destruir o Sistema Solar e, principalmente, a vida”, explica o astrônomo Ronaldo Vieira, co-autor do estudo que foi aceito para publicação no prestigioso The Astrophysical Journal.
Por concentrarem mais matéria, os braços principais são regiões de intensa formação estelar, que libera raios cósmicos prejudiciais à vida. As próprias nuvens moleculares que formam as estrelas também poderiam causar danos.
“Se o Sol penetra uma nuvem dessas com velocidade de várias dezenas de quilômetros por segundo, esse gás poderia penetrar entre a Terra e o Sol, e absorver um pouco da radiação ultravioleta solar”, diz o astrônomo Jacques Lépine, líder do estudo.
Desde 1953, os astrônomos têm conhecimento de que o Sistema Solar e muitas outras estrelas estão “presos” em uma espécie de apêndice entre dois braços principais, que deram o nome de Braço Local.
Mas, ao contrário dos braços espirais, compreendíamos muito pouco essa estrutura, que é nossa própria morada cósmica. “Não existia nenhuma teoria que explicasse a origem do Braço Local”, afirma Ronaldo Vieira.
Fazendo uso de dados compilados por grupos internacionais e levando em conta também as posições de estrelas jovens através de cálculos detalhados de órbitas na Via Láctea, o grupo propõe uma teoria para o Braço Local.
Devagar se vai longe
Os pesquisadores da USP defendem que ele fica numa zona de “ressonância de corrotação”. Ou seja, ao longo dos mais de 200 milhões de anos que o Sol demora para completar uma volta na Via Láctea (ou um ano galáctico), ele gira na mesma velocidade dos braços espirais. É como duas pessoas correndo em ritmos iguais: a de trás nunca ultrapassa a da frente.
Mas, ao contrário do Sol, grande parte das estrelas são bem mais apressadinhas. “Qualquer outra estrela que esteja fora dessa zona de corrotação vai atravessar todos os braços da galáxia”, diz Vieira. O ditado “devagar se vai longe” nunca fez tanto sentido — ao menos para nós, seres vivos do planeta Terra.
O fato é que, até então, a comunidade astronômica desconhecia essa tal zona de ressonância. “Sempre se especulou sobre o que acontecia cada vez que o Sol atravessava os braços, e se pensava que isso acontecia periodicamente, por exemplo a cada 150 milhões de anos”, reforça Lépine em comunicado à imprensa. “Mas, de acordo com nossos cálculos, isso não acontece nunca.”
O mais intrigante é que, segundo Vieira, é esperado que em cada uma das quatro regiões “entrebraços” da Via Láctea haja uma região com as mesmas características do Braço Local. Será que outras formas de vida deram a mesma sorte que nós, de se desenvolver em um cantinho blindado contra a violência cósmica?
“A gente espera que planetas fora do Sistema Solar que possam abrigar vida estejam nessas zonas de corrotação”, diz Vieira. Fica a dica, NASA.
(GALILEU)