“A ideia de que a capacidade humana de sentir cheiros é menor em comparação a outros mamíferos é um mito do século XIX”. É assim que John P. McGann defende seu estudo, publicado na revista Science, que traz uma nova visão sobre a real potência de nosso nariz. De fato, se tivéssemos de escolher no reino animal quem se destaca pelo olfato apurado, os eleitos provavelmente seriam os cães ou algum roedor. O ponto é: somos tão – ou até mais – capazes de sentir certos cheiros do que eles.
O que a pesquisa defende é que essa noção equivocada tem raízes em concepções feitas há mais de 200 anos, mais precisamente em uma classificação proposta pelo cientista francês Paul Broca. Segundo ele, os mamíferos poderiam ser divididos em dois grupos: os que usavam seu olfato para características de sobrevivência, como cachorros e roedores, e os que não faziam esse tipo de uso – como nós, humanos.
Tal divisão considerava apenas o tamanho dos bulbos olfativos de cada espécie, área responsável por coordenar nosso cérebro para sentir os mais variados cheiros. Hoje sabe-se que essa parte do cérebro é 200 vezes maior nos roedores e cerca de 40 vezes mais desenvolvida nos cachorros (em comparação ao homem). Considerando essa característica, a lógica parecia clara. Quem tem bulbos olfativos maiores seria, portanto, um exímio farejador – enquanto os outros podiam contar menos com essa habilidade.
Essa concepção nunca tinha sido questionada a fundo pela comunidade científica, sendo, inclusive, reiterada por outras pesquisas. Isso também porque a própria habilidade de cheirar é associada mais a uma espécie de instinto, como se fosse recurso exclusivo de espécies de mamíferos menos desenvolvidas. Na natureza, o odor pode ser uma boa forma de determinar, por exemplo, relações familiares, níveis de estresse e ansiedade de um grupo de indivíduos.
Os seres humanos, assim, teriam “sacrificado” essa capacidade olfativa em prol de um bem maior: ganho cognitivo em outras áreas. O fato de termos mais habilidades motoras ou a maior capacidade de raciocínio dentre os mamíferos, no entanto, não exclui o fato de contarmos com um bom olfato. Cientistas já falaram sobre nossa capacidade de usar o nariz como um GPS, nos orientando pelo cheiro igual fazem os pássaros, ou ainda, de tapear nosso cérebro para descobrir se estamos fedendo ou não. O que colabora para essa ideia de que não estamos tão atrás dos outros bichos assim.
É exatamente isso que McGann defende. De acordo com o pesquisador, não é possível precisar que bulbos olfativos maiores significam mais capacidade de cheirar. Assim, o tamanho reduzido dos nossos tem pouca importância. O que faz diferença é a quantidade de neurônios ligados à identificação de cheiros que eles podem comportar.
E essa quantidade não costuma variar muito entre as espécies de mamíferos – independentemente de seu tamanho ou do quanto usam seus narizes. Isso aproximaria humanos, ratos, macacos ou cachorros sob um ponto comum: os 10 milhões de neurônios designados para a nobre tarefa de reconhecer cheiros.
O que varia, no fim das contas, é a finalidade de cada uso. Para os cães, conseguir seguir rastros de urina e identificar cheiros a uma distância absurda tem bastante valia. Para nós, a habilidade de diferenciar um perfume pelo cheiro ou fixar na memória o aroma de alguma comida acaba valendo mais a pena. Cada um na sua, não é mesmo?
(SUPERINTERESSANTE)