Danos causados pela usina de Tucurui (PA) são discutidos pela Justiça e MPF

segunda-feira, 7 de maio de 2018 às 09:32
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Audiência judicial feita na região dentro de uma terra indígena, na aldeia Trocará, dos índios Assurini. – Foto: Divulgação

No que definiu como uma “medida de abertura do direito à experiência da vida”, o juiz federal Hugo Frazão, da subseção judiciária federal de Tucuruí (PA), abriu na sexta-feira (04) a primeira audiência judicial feita na região dentro de uma terra indígena, na aldeia Trocará, dos índios Assurini. “Assumo o compromisso de me deixar tocar e convencer pelos argumentos de vocês”, disse. A audiência foi solicitada pela procuradora da República Thais Ruiz, atualmente responsável pela ação judicial – que já tramita há oito anos – em que o Ministério Público Federal (MPF) busca compensação e reparação pelos danos sofridos pela etnia Assurini com a construção da usina hidrelétrica de Tucuruí, há trinta anos.

“Este ato, por si só, já é uma vitória da comunidade indígena e da sociedade brasileira, já que o respeito à pluralidade étnica é um dos objetivos da República consagrados na Constituição Federal”, disse a procuradora da República, ressaltando que entre as várias etnias que sofreram graves impactos da usina construída no período da ditadura militar, os Assurini estão entre as que não receberam qualquer tipo de compensação ou mitigação. “Trinta anos não são 30 dias, nem 30 minutos”, disse Waremoa Assurini, ao resumir a inconformidade dos indígenas com a demora do Estado brasileiro em reconhecer e reparar os danos provocados pela política de desenvolvimento.

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Durante quatro horas, os indígenas apresentaram ao juiz federal, representantes de órgãos públicos, pesquisadores e estudantes de universidades da região um pouco das memórias que têm desses 30 anos. Sem consulta e sequer aviso, no final da década de 1970, os Assurini foram surpreendidos pela intensa movimentação de pessoas ao longo do médio curso do rio Tocantins, assim como as explosões de fortes luzes criadas pelas obras da hidrelétrica. Durante as obras, relatam a perda de uma aldeia, de muitas roças de mandioca e milho, com o desaparecimento de um tipo ancestral de cultivo de milho e do peixe jaraqui, muito importante para a alimentação da comunidade.

A mudança na região, com a população do município de Tucuruí saltando de 10 mil para 70 mil pessoas, provocou ao longo dos anos pressões sobre a terra indígena, com altos índices de desmatamento, introdução de doenças sexualmente transmissíveis, fome, epidemias e um grave problema de desnutrição infantil que perdura até os dias de hoje.

O cacique Cajuangawa Assurini explicou em língua indígena, com tradução posterior, que “ninguém avisou da barragem”. “Quando encheu, a água levou tudo: motor, remédio, farinha, arroz, máquina. A Eletronorte tinha que pagar, estamos cansados de esperar”. “Os velhos viram um monte de gente andando na beira do rio, ouviam as explosões, mas não sabiam o que ia acontecer. Perderam as castanhas, as mandiocas, os milhos, as batatas, a máquina de arroz, a maior parte do seringal que ficava na beira do rio. Nunca conseguimos de volta o que tínhamos antes e até hoje, andando na beira do rio, continuam os impactos. A erosão provocada pela barragem levou cemitérios do nosso povo e continua comendo o nosso território. Os velhos não conseguiram mas nós ficamos com essa responsabilidade e nós vamos bater o pé e conseguir o nosso objetivo”, disse a jovem liderança Pirá Assurini, filho do cacique.

A Eletronorte chegou a ser obrigada a fazer um pagamento mensal de R$ 150 mil pela demora em oferecer qualquer medida de compensação, a partir de 2012, mas depois conseguiu reverter os valores em medidas emergenciais. Hoje, as lideranças indígenas cobraram prestação de contas dessas medidas e do quanto foi aplicado nisso. O representante da Eletronorte, o advogado Bernardo Fosco, disse que a empresa não se nega a dialogar com os indígenas, mas admitiu que as incertezas provocadas pela crise econômica do país, assim como a possível privatização da estatal, dificultam o avanço das propostas de compensação.

Raimundo Santos Assurini, liderança responsável pelo atendimento a saúde da comunidade, acusou a empresa de nunca ter ouvido os indígenas. “O que estamos propondo é para amenizar, não para resolver. Porque o que perdemos aqui não tem como ser reposto”, afirmou. Oliveira Assurini, outra liderança, reforçou: “Como compensar o jaraqui, os seringais, o rio que a gente não pode mais pescar, nem tomar banho porque está tudo contaminado? Isso não tem preço, não tem programa que compense”. O pesquisador Juliano de Almeida avisou os representantes da empresa que eles precisam refletir sobre suas práticas e sobre o que chamam de diálogo. “A Eletronorte vem aqui e conversa, mas parece só ouvir o que lhe interessa”, disse. Carlos Segatti, representante regional da Fundação Nacional do Índio (Funai), reforçou que não há dinheiro no mundo que pague o que os Assurini sofreram e perderam, mas que se pode amenizar os problemas se for encontrada uma solução judicial.

O processo judicial que discute as reparações, já demorado, chegou a um impasse com a apresentação de duas propostas de compensação, uma feita pela própria comunidade indígena, outra apresentada pela Eletronorte, responsável pelos danos. Ao final da audiência judicial, o juiz Hugo Frazão comunicou a criação de uma comissão interinstitucional, com a presença de pesquisadores e representantes de várias instituições, assim como da comunidade indígena, para analisar as duas propostas apresentadas.

A comissão terá prazos definidos para trabalhar e apresentar, até o final do primeiro semestre de 2018, uma proposta independente de compensação, que agregue elementos das duas existentes. O juiz comunicou as partes, o MPF e a Eletronorte, de que podem acompanhar os trabalhos da comissão e devem se manifestar sem necessidade de intimação judicial, de acordo com os prazos estabelecidos na audiência judicial. Com isso, disse Frazão, o processo será bem mais acelerado. Ele prometeu uma decisão final até setembro de 2018.

(ARARA AZUL FM)

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