
*Por Fábio de Alcântara
Neste oito de maio, o mundo católico ouviu ecoar pelas praças do Vaticano o anúncio há muito esperado: habemus papam. Exala o ar romano o nome do novo Sucessor de Pedro – Leão XIV, nascido Robert Francis Prevost, O.S.A., norte-americano de nascimento, mas latino-americano de coração e formação. Entre o passado e o porvir, abre-se diante de nós uma trilha marcada pelo peso ancestral de um nome: Leão.
Não é coincidência que Robert Prevost tenha escolhido, ao assumir o trono petrino, o nome de Leão XIV. Todo nome porta um destino, um viés, uma direção moral – como a estrela-guia entre as brumas dos tempos. Ao evocar Leão XIII, o novo papa acena para uma era em que a Igreja, confrontada pelo industrialismo, pela luta de classes e pelos ventos ideológicos do século XIX, respondeu com a lucidez contida em Rerum Novarum. Nessa encíclica, Leão XIII plantou as raízes da doutrina social católica: justiça para o trabalhador, dignidade para o pobre, o amparo humano elevado pelo mistério da fé.
A escolha do nome, portanto, não é mero acaso. O Leão anterior combateu o paganismo moderno e as novas formas de idolatria política com tenacidade. Defendeu a fé católica contra as correntes corrosivas da maçonaria, por meio da severa Humanum Genus, sem reservar espinhos ao erro nem negar flores à verdade. Mas talvez seu maior legado resida na restauração da inteligência filosófica cristã, simbolizada na encíclica Aeterni Patris, que dotou a Igreja de um renovado vigor tomista em tempos de perigos e fadiga cultural.
Nos finais do século XIX, o empalidecer da razão cristã ameaçava precipitar a civilização num abismo niilista, onde a lei do mais forte reinaria, e o simples sobreviver atrofiaria a alma humana. Foi Santo Tomás, reabilitado e recomendado por Leão XIII, o grande antídoto.
Cultivou-se então um jardim filosófico que fecunda até hoje as almas sedentas de sentido e de ordem.
À semelhança do passado, o nosso presente está às portas de novas convulsões, ameaças existenciais e uma confusão moral, frequentemente fomentada por aqueles que, de dentro ou de fora, intentam sacudir as bases da Igreja de Cristo. Mas é sempre nos limiares do caos que a Igreja, iluminada por sua origem divina, reencontra o vigor para purificar, elevar e proteger as raízes da civilização.
Assim, diante desse cenário, é legítimo e inevitável nos perguntarmos: como rugirá o novo Leão da Santa Igreja Católica? Será um rugido firme na defesa da verdade, capaz de despertar os corações entorpecidos pela indiferença e pelo materialismo? Ou será um rugido brando, cauteloso, mediando entre as exigências espirituais perenes e as pressões de um mundo cada vez mais secularizado?
A eleição de Leão XIV se dá em tempos de inquietação não menor. Não é segredo que durante o último pontificado as águas da Tradição se viram agitadas – em especial com o motu próprio Traditionis Custodes, que restringiu a Missa Tridentina, causando dor e perplexidade entre tantos fiéis que buscavam alimento espiritual nas fontes perenes do rito antigo. No vácuo deixado pela saída abrupta das âncoras seguras, muitos se perderam nas
nuvens da modernidade líquida.
Por isso, a esperança se mistura à apreensão: que o novo papa seja mais do que um gestor de questões materiais, por mais urgentes que pareçam e por mais piedade que despertem. O verdadeiro desafio sempre é, como alertaram os leões do passado, proteger a Sã Doutrina e guiar o rebanho cristão ao cerne do Evangelho, afastando-o das areias movediças das novidades efêmeras e das intrigas mundanas. Espera-se que o rugido de Leão XIV ecoe mais forte no resgate do essencial do que na satisfação do supérfluo.
Notícias iniciais indicam que Leão XIV tenta um equilíbrio delicado: moderação entre o zelo dos que desejam conservar a fé integral e as demandas de quem insiste em priorizar as misérias materiais. É um fio tênue, tênue demais, e poucos conseguem atravessá-lo sem derrapar. Torna-se premente recordar: as misérias materiais, por mais gritantes e dolorosas, são apenas sombras – todas passageiras. Já a Fé, essa sim, se mantém sob constante assédio do “príncipe deste mundo”, desde o berço do Cristianismo. E é da permanência na Verdade – não de sua diluição ou adaptação aos ventos do tempo – que brota a esperança de ressurreição pessoal e coletiva.
A esperança é, então, a centelha que alimenta a interrogação: como rugirá o novo Leão da Santa Igreja Católica? Que seja um rugido que desperte, que conforte e que não tema restaurar, reformar, amar e proteger tanto a Verdade quanto as almas. Pois o mundo, mais do que qualquer pão terreno, anseia por luz, por sentido, por orientação segura.
Que Leão XIV recorde, com humilde grandeza, que a Igreja sobreviveu a impérios, ditaduras, cismas e revoluções, sempre rejuvenescendo não só rituais, mas sobretudo as profundezas da razão e da alma. Que ele não olvide: ninguém jamais construiu nada de perene senão sobre a Rocha. E, para terminar, que busque, em meio aos clamores humanos e mundanos, restaurar a dignidade da Sagrada Doutrina, sem jamais ceder ao apelo fácil do mundo que passa.
Pois, se hoje a civilização respira – ainda que com dificuldade – é porque em algum lugar, sob as abóbadas de pedra e mistério, a Verdade ainda sussurra e refulge. A Igreja Católica, com todas as suas chagas e glórias, continua a ser o oásis do espírito. Que Leão XIV tenha a força dos seus predecessores, a lucidez dos tomistas e, sobretudo, a coragem dos santos. Um novo tempo se anuncia e, na esperança que sempre renova, aguarda-se, ainda uma vez, o milagre silencioso da perseverança. Assim, todos perguntamos: como rugirá o novo Leão?
Fábio de Alcântara, advogado
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