A participação em suicídio na perspectiva do jogo baleia Azul

quarta-feira, 19 de abril de 2017 às 12:32
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*Por Elder Fogaça

Foto: DivulgaçãoRecentemente um jogo denominado “baleia azul” tem chamado a atenção e deixado o país em estado de alerta justamente por se tratar de um jogo ligado ao suicídio de crianças e adolescentes que dele decidem participar.

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Segundo relatos, o jogo teve início na Rússia, aproximadamente no ano de 2015; e que cerca de 130 jovens já teriam cometido suicídio em razão do jogo, cujas orientações partem de uma pessoa denominada de “curador”.

O jogo é composta por 50 etapas, sendo que etapa final culmina com o suicídio do jogador. Dessa forma, o jogo tem início a partir de um grupo virtual e quando o “curador” ou moderador seleciona a vítima da vez (chamada de baleia azul), lhe distribui todos os dias os desafios a serem cumpridos, sempre a partir das 4h20.

Por fim, nosso intuito cinge-se ao aspecto jurídico, isto é, as consequências jurídicas e suas implicações.

A Criminalidade Cibernética

É inegável os benefícios proporcionados aos seres humanos em decorrência do fenômeno da globalização, sobretudo no campo tecnológico, ampliando-se significativamente os recursos tecnológicos e similares.

A internet proporciona interações instantâneas, conectando o mundo inteiro, por assim dizer. Todavia, no mesmo passo dessa evolução de recursos tecnológicos, anda as ameaças notadamente o universo do crime, que vem aprimorando-se cada vez. Assim como o surgimento de inúmeros benefícios adveio novos riscos.

Desta forma, a internet e recursos tecnológicos se tornaram mais um meio à disposição dos criminosos, pelo que procuraram se adaptar suas atividades ilícitas e, muitas vezes nocivas, à nova realidade do mundo contemporâneo.

Surge, assim, os chamados crimes cibernéticos ou crimes virtuais, crimes digitais ou cibercrimes (consideramos expressões equivalentes), uma vez existindo previsão de tipicidade penal. Tais crimes tem como pano de fundo as plataformas ou recursos tecnológicos, isto é, são crimes praticados por intermédio da internet, utilizando-se do ambiente virtual para prática de crimes os mais diversos.

No entanto, para melhor adequar ao fim do presente artigo, cumpre calhar uma distinção. Os delitos praticados por intermédio de computadores apresentam uma singela classificação, qual seja, “os cibernéticos” e as “ações prejudiciais atípicas”. Aqueles ainda apresentam uma subdivisão: “os crimes cibernéticos abertos” e “os crimes exclusivamente cibernéticos”. As ações prejudiciais atípicas são condutas que, perpetradas por meio da rede mundial de computadores, embora apta a causar algum prejuízo ou transtorno à vítima, quer seja material ou moral, carecem de tipificação penal, repercutindo efeito apenas na seara cível. Já os crimes cibernéticos abertos referem aos crimes que tanto podem ser cometidos da forma tradicional quanto por intermédio da rede mundial de computadores, sendo o computador apenas mais um meio a disposição. Os crimes exclusivamente cibernéticos, por sua vez, e como o próprio nome já denuncia, são os crimes que somente podem ser praticados com a utilização de computadores ou recursos tecnológicos similares com acesso à internet, a exemplo do aliciamento de crianças através de uma sala de bate papo na internet – art.241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Da Participação em suicídio: o jogo da morte (baleia azul)

Fácil constar que, tendo por base o narrado na introdução e na classificação dos crimes cibernéticos, a participação em suicídio pode ser alocada na categoria dos crimes cibernéticos abertos, uma vez que não necessariamente precisa ser cometido mediante o uso de computadores, bem como classifica-se, doutrinariamente, como crime de forma livre, admitindo qualquer meio de execução.

Como se percebe, o recurso tecnológico se apresenta mesmo como mais um meio à disposição dos criminosos. No caso do jogo chamado baleia azul, o curador (responsável por amealhar os jogadores), utiliza-se, geralmente, de aplicativos com acesso à internet como WhatsApp e Facebook messenger para impor o cumprimento pelos jogadores de desafios divididos em 50 etapas.

Como de conhecimento, o tipo objetivo da participação em suicídio caracteriza-se por ser misto alternativo, ou seja, descreve mais de uma conduta fungível. Agora, no caso em testilha, cabe indagar acerca da adequação típica do responsável por impor os desafios que culminam com a morte (suicídio) do jogador. Restaria configurado mesmo a figura da participação em suicídio ou configurar-se-ia um homicídio. Entendo que a resposta irá depende das peculiaridades de cada caso (concreto).

A conduta suicida por si só não é crime (representa a deliberada destruição da própria vida), em respeito ao princípio da alteridade, pelo que, no âmbito do direito penal, apenas se pune comportamentos transcendentais a figura do próprio autor do fato.

O tipo objetivo do art. 122 do Código Penal se consubstancia nos verbos “induzir”, “instigar” ou “auxiliar”. Portanto, tais verbos representam o núcleo do tipo penal. Desde já podemos descartar o auxílio, uma vez que este precisa ser material e eficaz, pressupondo contribuição efetivamente ao suicídio.

Tanto o induzimento quanto a instigação caracterizam-se pela participação moral no suicídio da vítima. Vale lembrar que o crime de suicídio não admite a provocação ou participação indireta, consoante entendimento plasmado no HC 72.049/MG.

Instigar corresponde a estimular uma ideia suicida preexistente, isto é, reforçar ou potencializar a ideia de suicídio já existente na mente da vítima. Por outro lado, induzir traz consigo a noção suscitar ou incutir a ideia de suicídio na mente da vítima, ideia esta até então inexistente. Independentemente de a conduta do “curador” se subsumir a ambos os verbos (induzir e instigar), sendo o suicídio classificado como crime misto alternativo (crime de ação múltipla ou de conteúdo variado), o agente responde por apenas um único crime. E conforme o inciso II do art. 122, a pena é duplicada em sendo a vítima menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

Ademais, vale anotar que o requisito fundamental do suicídio radica na destruição voluntária da própria vida (delito de resultado). Dessa forma, caso a vítima venha a eliminar sua própria vida inconscientemente, em razão de ter sido manipulada por outrem mediante fraude, ou o faça em decorrência de grave ameaça, estará tipificado o crime de homicídio, e não a participação em suicídio.

Destarte, a conduta do “curador” tando pode ser vislumbrada na hipótese de induzimento como também na de instigação e, embora se amolde em mais um verbo núcleo do tipo, haverá um único crime e em sendo a vítima menor, a pena é duplicada (CP, art. 122, parágrafo único, inciso II). Assim, não se tipifica, a priori, o delito de homicídio, salvo no caso de induzir uma criança de tenra idade ou débil mental.

*Por Elder Fogaça – Bacharel em Direito. Pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal.
Pesquisa científica concentrada na área do Direito Penal, com vistas às bases constitucionais do Direito Penal, tutela penal e princípios constitucionais penais, efetividade do Direito Penal à luz do Estado Constitucional de Direito, rendimento da teoria da proteção de bens jurídico-penais.

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