Alan Milhomem / Voz do Bico
SÃO MIGUEL – Dor e comoção de parentes, amigos e líderes comunitários do Bico do Papagaio marcaram o enterro de Raimunda Gomes da Silva, 78 anos, no fim da tarde desta quinta-feira (8), no povoado Sete Barracas, zona rural do município de São Miguel do Tocantins. Conhecida mundialmente como Dona Raimunda Quebradeira de Coco, a líder comunitária e ativista política morreu em casa, no início da noite dessa quarta-feira (7), vítima de problemas respiratórios e diabetes.
Antes do enterro, por volta das 15h, foi celebrada a missa de corpo presente por Dom Vilsom Basso, bispo da Diocese de Imperatriz (MA). Às 17h, o corpo de Dona Raimunda foi levado para a igreja de Santa Rosa Lima. A comunidade católica do povoado ficou lotada e, no local, foram prestadas as últimas homenagens por parentes e amigos. Depois, o corpo foi levado para o cemitério de Sete Barracas, onde foi enterrado.
Emocionada, Maria de Jesus Gomes dos Santos, uma dos sete filhos de Dona Raimunda, disse que o momento é de muita tristeza e dor. “Estamos sentindo muito, pois ela foi uma pessoa muito boa e teve várias conquistas para nossa comunidade. Ela deixa um legado para nós de lutas e batalhas, além de muita saudade e lembranças das coisas boas que ela deixou para nós e para as outras pessoas também”.
Ainda segundo Maria de Jesus, Dona Raimunda vinha tendo problemas de saúde constantes nos últimos dias. Foi levada para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em Imperatriz e passou outros dias internada no Hospital Regional de Augustinópolis. “Mas ela sempre quis voltar para casa. E agora quando passou mal não quis mais ir para o hospital. Era desejo dela ficar em casa, morrer na caminha dela e do lado das pessoas que ela gostava. E assim aconteceu”, relatou com os olhos cheios de lágrimas.
Seu Cipriano, casado com Dona Raimunda há 35 anos, em meio ao choro, relembrou os bons momentos vividos com a esposa e o aprendizado que teve ao longo dos anos com ela. Ele relembrou a conquista das casas populares para as quebradeiras de coco babaçu e a lutas pelo meio ambiente.
“É uma saudade muito grande agora, pois foram 35 anos sem viver um dia com a cara feia um pro outro ou ficar intrigado. Nunca teve isso! Outra marca nossa foi o trabalho igualitário. Eu trabalhava no sindicato, ela também. Trabalhei na associação, ela também trabalhou. Sempre estivemos juntos e luta continua, pois ela lutou para que as pessoas tivesse informação e consciência para garantir seus direitos e cuidar do meio ambiente, e eu vou continuar na luta iluminado pelo espirito dela”, afirmou seu Cipriano.
Ao longo do dia, diversas autoridades e instituições divulgam notas de pesar pela morte de Dona Raimunda, dentre elas deputados estaduais e federais, a senadora Kátia Abreu, Ministério Público Estadual e a Defensoria Pública do Estado. O governador Mauro Carlesse disse que o Estado do Tocantins perdeu uma de suas maiores líderes. “Dona Raimunda construiu uma extensa folha de serviços ao nosso Estado e ao Brasil, por desenvolver um importante serviço comunitário e também como trabalhadora rural e ativista de destaque nacional. Nesse momento de luto e de dor, rogo ao nosso amado e eterno Deus que console os corações dos familiares, amigos e de todos os tocantinenses que certamente sentem esse momento de perda”, disse o governador.
Perfil
Raimunda Gomes da Silva, nascida e criada em Novo Jardim (MA), filha de agricultores, com 10 irmãos, casou-se aos 18 anos, teve uma vida difícil, decidiu abandonar o marido 14 anos depois e criar sozinha os seis filhos, trabalhando como lavradora. Depois adotou o filho um companheiro de luta que foi assassinado.
Baixinha de traços e personalidade fortes, nunca estudou, mas foi uma líder nata, de visão política apurada. Em 1991 fundou, junto a outras mulheres, a Associação Regional das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio (Asmubip). No ano seguinte elas criaram o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), que hoje é atuante nos estados do Pará, Tocantins, Piauí e Maranhão.
Aos 20 anos aprendeu a assinar o nome e tornou-se porta voz de 400 mil trabalhadoras rurais extrativistas, em defesa do meio ambiente e dos direitos das mulheres. Devido a atuação na defesa dos direitos das mulheres trabalhadoras da região do Bico do Papagaio, recebeu o título de Doutora Honoris Causa da Universidade Federal do Tocantins e prêmios como o Diploma Mulher-Cidadã Guilhermina Ribeira da Silva (Assembleia Legislativa do Tocantins) e o Diploma Bertha Lutz (Senado Federal). Em 2005, integrou a lista mundial das mil mulheres que concorreram ao prêmio Nobel da Paz.