A CPMF e seus problemas simbólicos

sexta-feira, 13 de setembro de 2019 às 10:07
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Foto: Divulgação

*Por Bruno Barchi Muniz

O novo e velho assunto da semana é a CPMF. Não sabemos se, como e quando ela retornará, mas tudo indica que voltaremos a encarar essa velha conhecida, ainda que sob outro nome ou roupagem.

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Por causa desse possível retorno, muitos portais de internet, jornais e articulistas estão relembrando as origens da CPMF. Prefiro começar trazendo outra lembrança: como foi o fim da CPMF em 2007.

Nos últimos dias daquele ano o governo, então sob o comando de Lula, tentava renovar a tal contribuição provisória e a DRU (Desvinculação das Receitas da União), que consiste em habilitar ao governo o uso de percentual de verbas vinculadas a certos fundos para utilização em outras áreas. É uma aberração jurídica que se perpetuou e assim continua até hoje, com a última renovação estendendo-a até 2023.

Enfim, o governo sofreu aquela que foi noticiada como a “mais dura derrota política” sofrida até então, tendo que desvincular no Senado o procedimento legislativo da DRU do procedimento legislativo da CPMF, para pelo menos salvar a parte mais valiosa da lavoura.

Quando o governo acabou derrotado, me lembro perfeitamente de um senador da oposição comemorar não a derrubada do tributo, mas a derrota do governo em si, algo como se aquele ato trouxesse, digamos, “humildade” a um governo que ele entendia ser muito soberbo.

Me lembro, também, que após a derrota o então Ministro da Fazendo Guido Mantega afirmou que não seriam feitos aumentos tributários para compensar a perda de arrecadação da CPMF.

Nos primeiros dias ele descumpriu a palavra e colocou os exatos 0,38% que eram da CPMF no IOF. Questionado se não teria faltado com a verdade ao dizer que não haveria aumento de tributos, ele respondeu que isso que ele havia dito valeria apenas para o ano de 2007, e não para 2008.

Ou seja, ficamos por volta de 10 dias sem ter os 0,38% de tributação.

E já que estamos falando da alíquota, sendo profundamente sincero, eu sempre me perguntei o motivo de as pessoas se queixarem da CPMF, com uma alíquota tão pequena.

Veja, a cada R$ 1.000,00 movimentados, a pessoa pagava R$ 3,80 de tributo. Se movimentar R$ 1 milhão, a CPMF custaria R$ 3.800,00, no total.

Considerando que estamos no Brasil, a terra dos tributos, é barato até demais.

A comemoração diante do fim da CPMF, em que pese a perda de arrecadação do governo e, afinal, o fim de um tributo, parece uma vitória pírrica, se considerarmos as alíquotas de COFINS, IRPJ, CSLL e até mesmo da Contribuição Patronal (“INSS”) que esmagavam e continuam esmagando o contribuinte brasileiro.

Nesse último, considerando o paralelo, a cada R$ 1 milhão pagos em salários, o empregador precisa pagar R$ 200 mil somente nesse tributo. É um custo colossal.

Por isso, apesar dos razoabilíssimos argumentos de que a CPMF não encontra par em países com tributação mais justa, que incide em cascata, que não tributa propriamente a riqueza etc., era um tributo funcional, não sonegável e, possivelmente, era o que causava o menor dano financeiro em aspecto prático ao contribuinte, dentre todos que existiam e continuam existindo no país.

Então qual é o motivo de o simples nome CPMF causar arrepios ao brasileiro? A resposta é simples: o raciocínio simbólico.

A CPMF se tornou uma “palavra-gatilho”, pois a sua simples menção evoca na psique do povo imediatamente o símbolo mais recente e representativo de como o governo o ilude.

Talvez o início tenha sido nos anos 80, com os empréstimos compulsórios sobre veículos e combustíveis. Todos acreditavam que receberiam de volta o “empréstimo”, mas, obviamente, ficaram a ver navios.

O empréstimo compulsório, embora ainda previsto constitucionalmente, se tornou obsoleto diante das possibilidades tributárias trazidas pela Constituição de 1988.

Aproveitando-se dessas “possibilidades”, na primeira metade dos anos 90 foi criada a IPMF, que podemos dizer ter sido uma espécie de “balão de ensaio” da CPMF, esta vigente a partir de 1996.

A tal contribuição “provisória” se revelou definitiva, perdurando mais de uma década. E o resultado da arrecadação, que teoricamente era o financiamento da saúde, foi desviado para outras finalidades, a ponto de o então Ministro da Saúde Adib Jatene, incentivador da medida, ter declarado, muitos anos mais tarde, ter saído do então governo FHC por ter sido traído. E realmente o foi. Nas palavras dele, “puxaram meu tapete”.

A CPMF é, portanto, um símbolo que imediatamente nos evoca a falsidade do governo e a capacidade que ele sempre teve de ludibriar um povo que, diga-se a verdade, sempre foi muito paciente e colaborativo com todos os que passaram pela cadeira presidencial, independentemente do partido.

A CPMF personifica ao brasileiro aquele carimbo de “otário” que lhe vem sido batido na testa desde tempos imemoriais, mas, sobretudo, nas últimas décadas.

Desde a sua extinção continuamos a ser prejudicados em matéria tributária e financeira, vide, por exemplo, as “desonerações” do governo Dilma, o aumento de tributos para veículos estrangeiros, favorecendo o lobby das indústrias nacionais, as fraudes fiscais (“pedaladas”) que destruíram a economia do país, dentre outras pérolas.

Mas nada disso conseguiu atingir o status simbólico da CPMF, que se tornou uma verdadeira entidade para o brasileiro.

Abstraindo o aspecto simbólico, fica a pergunta: afinal, a CPMF é boa ou é ruim?

Como tudo na vida, tem seus prós e contras e, a julgar pelo que o Ministro Paulo Guedes supostamente tem dito, de que ela, se vier, substituirá a tributação sobre salários, tem tudo para ser positiva e estimular o emprego.

No entanto, pelo histórico já vivido o brasileiro tem o direito de perguntar: vai substituir ou acrescentar?

E aí voltamos ao velho problema de sempre: dá para confiar no governo?

Bruno Barchi Muniz atua nas áreas de Direito Tributário, Administrativo, Econômico, Consumerista, cuidando dos interesses de pessoas físicas e jurídicas.

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