Não haverá mudança

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025 às 09:01
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José Fábio de Alcântara Silva (Fábio de Alcântara). – Foto: Arquivo pessoal

*Por Fábio de Alcântara

Ao longo da história, as grandes revoluções, sejam elas globais ou locais, transformaram o sistema vigente sobretudo quando as condições de vida da maioria se tornaram insuportáveis. A miséria extrema, somada à desigualdade e à falta de perspectivas, foi o combustível de movimentos que reescreveram as estruturas de poder em países e regiões. No entanto, ao analisarmos a situação brasileira, dificilmente veremos algo semelhante ocorrer por aqui. O sistema parece impenetrável, e algumas dinâmicas específicas do país tornam qualquer mudança profunda no modelo de governo improvável.

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Isso porque o sistema de governo do Brasil está densamente preenchido por uma elite de servidores públicos do alto escalão – juízes, promotores, delegados, defensores públicos, auditores fiscais, oficiais militares e outros funcionários do estado. Essas carreiras são compostas por indivíduos cujos salários e benefícios estão muito acima da realidade da grande maioria da população, que luta para sobreviver com o mínimo. Ainda que muitos desses servidores demonstrem insatisfação com questões salariais, a verdade é que vivem uma vida relativamente privilegiada em comparação aos brasileiros que mal conseguem sustentar suas necessidades básicas.

Essa fatia da sociedade, geralmente bem remunerada, simboliza um entrave natural a qualquer tentativa de revolução ou mudança sistêmica. Sob uma perspectiva prática, seus
integrantes não têm interesse em apoiar um sistema revolucionário que inevitavelmente apresentaria riscos à estabilidade que possuem. Embora existam críticas frequentes por parte dessas classes ao empresariado – o qual carrega a total responsabilidade pelos ganhos e prejuízos de suas empreitadas –, eles próprios não estariam dispostos a abrir mão do conforto de seus cargos garantidos para apoiar rupturas mais profundas.

Por outro lado, as classes governantes vêm aplicando com maestria as máximas de controle político herdadas do Império Romano, especialmente a política do “pão e circo”. Propositalmente, distribuem benefícios esporádicos para controlar a insatisfação e entreter a população em dificuldades, ao mesmo tempo em que reduzem o acesso a uma educação de qualidade. Desse modo, conseguem manter o povo distraído e alheio à verdadeira extensão dos abusos e incompetências do governo, perpetuando um sistema no qual os mesmos de sempre permanecem no poder.

No entanto, mesmo os mais pobres, aqueles que tradicionalmente seriam os protagonistas das revoluções no passado, hoje não demonstram o ímpeto ou a indignação suficiente para abraçar uma mudança tão drástica. As condições de vida moderna – ainda que precárias para muitos brasileiros – fornecem um conforto básico que serve para inibir a revolta. Costuma-se dizer que o morador de uma favela, por exemplo, dispõe de mais “luxos” do que os nobres de um castelo medieval. Água tratada, energia elétrica, acesso à internet e mesmo tecnologia, como smartphones, acabam por mitigar o senso de insatisfação coletiva que outrora pavimentou o caminho para revoluções históricas.

Dessa forma, a inércia se torna mais conveniente. A indignação, necessária para impulsionar mudanças, é substituída por apatia e acomodação diante da comodidade mínima que a modernidade oferece. Isso gera uma sociedade desarmada para grandes mudanças e presa ao mesmo círculo vicioso de desigualdades e má gestão pública.

O único caminho, ao menos em teoria, seria uma tomada de consciência geral, baseada na ideia de se realizar uma mudança moral na política brasileira. Contudo, esse é outro ideal que se mostra utópico. A classe política, que há décadas se perpetua no poder, encontra-se profundamente enraizada em práticas ultrapassadas de corrupção e clientelismo. Não se trata apenas de mudar os nomes, mas de romper com estruturas que já provaram sua eficácia em perpetuar os mesmos padrões medíocres de administração pública. Todavia, está claro que os interesses pessoais vêm superando os interesses coletivos – e isso em todas as esferas.

No final das contas, “não haverá mudança” porque as forças que sustentam o sistema atual estão exatamente onde desejam estar. A elite funcional pública ganha bem demais para querer arriscar, o empresariado tenta sobreviver em meio a uma carga tributária sufocante, e o povo carece da educação e da indignação necessárias para perceber o quanto é enganado. Enquanto a classe política se perpetua, alternando apenas os rostos no comando, mas mantendo a essência do jogo intacta, tudo permanece estacionado.

Claro, a esperança sempre existe, e reflexões como esta podem apontar caminhos ou incentivar debates. Entretanto, enquanto os atores centrais permanecerem de braços cruzados – seja pela conveniência, pelo conforto ou pela ignorância –, os ventos de mudança continuarão sendo apenas uma utopia distante. Aos que esperam por ela, a resposta é simples: não haverá mudança.

*Fábio de Alcântara, advogado

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