*Por Fábio de Alcântara
Uma ferramenta revolucionária e amplamente adotada no Brasil, o Pix conquistou em poucos anos seu espaço como o principal meio de transferências rápidas e gratuitas. Prático, instantâneo e acessível, tornou-se essencial para pequenos negócios e para pessoas físicas que buscam uma alternativa às barreiras e taxas do sistema bancário tradicional. No entanto, a partir de 1º de janeiro de 2025, o Pix entrou em um novo cenário financeiro, muito menos amigável, sob a lupa voraz da Receita Federal – o sempre temido Leão.
O que mudou? A partir desta data, entrou em vigor a ampliação do monitoramento das transações financeiras realizadas por Pix. Agora, transferências que somem R$ 5 mil ou mais por mês para pessoas físicas, e R$ 15 mil para pessoas jurídicas, serão reportadas ao Fisco. Consequentemente, muitos pequenos negócios, encabeçados frequentemente por trabalhadores independentes e pessoas físicas, começaram a repensar o uso do Pix como forma de pagamento. Nas redes sociais, não demorou para o burburinho explodir: “O Pix será tributado!”, gritaram alguns. Embora tecnicamente não haja uma taxação direta sobre as operações via Pix, a preocupação não é infundada, e a celeuma gerada trouxe à tona um tema que merece reflexão.
Diante da inquietação coletiva, agentes ideológicos de esquerda, em alinhamento com o des(governo) atual, promoveram uma intensa campanha para rotular as discussões como fake news. O argumento? “O Pix não será tributado!” Até aí, verdade. Não haverá uma alíquota plicada diretamente às transferências feitas por essa modalidade, mas o cerne da questão vai muito além. A ampliação do monitoramento pelo Fisco carrega consigo o peso da burocracia que há tempos engessa o Brasil e empurra milhares de contribuintes para as garras da malha fina.
O Leão não é seletivo, não distingue a qualidade da presa. Ele não se importa se a “caça” vem do pequeno comerciante que mal consegue fechar o mês ou do trabalhador autônomo que movimenta dinheiro com dificuldade e sem estrutura contábil. A Receita Federal opera dentro de uma visão fria, tecnocrática e muitas vezes desconectada da realidade da maioria dos brasileiros. Sob seu crivo, o novo sistema de rastreamento não analisará individualmente as circunstâncias de cada contribuinte. Não importa se o valor resultou de empréstimo familiar, venda de um objeto usado ou um pequeno negócio informal para complementar a renda; na visão automatizada e impessoal do Fisco, quem está na faixa de movimentação fiscalizada terá que prestar esclarecimentos.
E é aí que reside o problema. A grande maioria da população mais vulnerável não possui acesso a uma assessoria jurídica ou contábil para se defender adequadamente. A burocracia da Receita, que opera de forma hermética, não leva em conta as dificuldades e limitações financeiras de quem mal entende o complexo emaranhado de regras fiscais.
Quem cair na malha fina dificilmente escapará sem perdas significativas. Documentos, justificativas e prazos transformarão a vida de muitos em um verdadeiro pesadelo fiscal. E o resultado disso é previsível: crescimento exponencial da arrecadação estatal, não porque houve evolução na justiça fiscal, mas porque o Leão atacará, sobretudo, aqueles que não
têm meios de se defender.
Se por um lado os contribuintes mais estruturados e já familiarizados com o universo fiscal talvez consigam adaptar-se às novas regras e evitar as armadilhas do Fisco, aqueles que movimentavam valores na faixa agora fiscalizada dificilmente terão a mesma sorte.
Pequenos empreendedores e trabalhadores informais, que formam a base da economia do país, terão de lidar com um ônus desproporcional. Na prática, não haverá cobrança direta sobre o Pix, mas o rigor da malha fina na fiscalização acabará funcionando como uma “tributação silenciosa”. O alvo? Os mais frágeis, aqueles de quem pouco se tira, mas que em volume geram um montante significativo para os cofres públicos.
O que vemos, na realidade, é a execução de uma mentalidade arrecadatória que ignora os impactos sociais. O Estado, ineficiente e frequentemente envolto em escândalos de má gestão e corrupção, continua a depender do sacrifício dos que menos possuem para sustentar sua engrenagem emperrada. A implementação da nova regra parece muito mais
direcionada ao aumento do fluxo nos cofres públicos pela via da punição e do medo, do que à promoção de justiça tributária. Afinal, como já diz o ditado: o Leão não está preocupado com a qualidade da presa, apenas com a quantidade que pode consumir.
Por fim, a ideia de que o Brasil caminha para um sistema mais eficiente e justo soa cada vez mais distante. Essa nova fase do Pix revela-se menos como um avanço e mais como um reflexo de um sistema ineficaz que insiste em buscar recursos da forma mais fácil – atacando o bolso do cidadão vulnerável. Assim, o Leão seguirá rugindo e banqueteandose, enquanto aqueles que tentam sobreviver sob a montanha de burocracia e desgoverno continuarão a ser esmagados pelo peso de um Estado que já perdeu o rumo de sua real função: servir ao povo.
Fábio de Alcântara, advogado
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