
O assunto sobre a equidade salarial de gênero não é recente, mas é recorrente. Ano após ano, campanha após campanha, e o assunto sempre volta ao destaque.
Recentemente, inclusive, a OAB Tocantins promoveu a Conferência Estadual da Mulher Advogada para dar evidência ao assunto. Inclusive, indico acompanharem algumas partes do evento lá no perfil pessoal da presidente da Comissão da Advogada Mulher, Drª Harini Cacchin, que permitiu que fosse divulgado o seu perfil pessoal aqui.
O tema surgiu de notícias recentes e é uma devida homenagem para todas as trabalhadoras mulheres. Inclusive, caso você queira propor o tema para os próximos artigos, nos envie sua sugestão por aqui.
É certo que a disparidade entre o pagamento para homens e mulheres pelo mesmo serviço e qualidade não é um problema encontrado somente no Brasil. Recentemente a namorada do jogador de futebol Douglas Luiz cobrou igualdade de salários no futebol. Alisha Lehmann, que atualmente é jogadora da Juventus, afirmou o seguinte:
“Falo com Douglas depois dos treinamentos e sempre digo que a situação não é justa. Fazemos o mesmo trabalho e ele ganha cem mil vezes mais que eu.”
Certamente que o tema não passou despercebido pelo judiciário brasileiro e o CNJ publicou a resolução 492/2023. Referida resolução institui a obrigatoriedade de capacitação dos magistrados a adoção de procedimentos a respeito do julgamento de perspectiva de gênero.
Quando ocorre a desigualdade salarial?
A desigualdade salarial acontece quando um homem recebe mais que uma mulher para desempenhar a mesma função, com a mesma capacidade técnica e na mesma localidade.
Especificamente sobre a legislação brasileira, a equidade salarial de gênero possui previsão legal. Sobre o assunto, o artigo 461 da CLT prevê o seguinte:
Art. 461. Sendo idêntica à função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade.
Além disso, a lei 14.611/2023 também trouxe previsão a respeito do tema. O artigo 2º da referida lei estabelece assim:
Art. 2º A igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função é obrigatória e será garantida nos termos desta Lei.
Certamente que homens e mulheres devem receber o mesmo salário quando desempenharem a mesma função, com a mesma produtividade e perfeição técnica. Também é necessário que trabalhem na mesma localidade e estabelecimento.
Leia também: Como provar o assédio sexual no trabalho?
Quais as consequências da desigualdade salarial de gênero?
A saber, o empregador terá consequências caso seja constatada a desigualdade salarial. Em princípio, trata-se claramente de hipótese de rescisão indireta por ser uma falha no contrato de trabalho (art. 483, d, CLT).
Não apenas a rescisão indireta, mas a trabalhadora também poderá pedir indenização contra o empregador. Sobre o assunto, o TRT8 decidiu assim:
EQUIPARAÇÃO SALARIAL. ÔNUS DA PROVA. DIFERENÇA SALARIAL ENTE HOMENS E MULHERES. NÃO CABIMENTO. Em se tratando de equiparação salarial, é encargo da ex-empregadora produzir prova do fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito à equiparação salarial em relação ao paradigma remoto, consoante o item VIII da referida Súmula 6 do TST, ônus do qual não se desincumbiu. Lamentavelmente, é comum o fato que trabalhadoras na mesma função receberem a menor que os homens, aqui ambos eram Técnicos em Segurança do Trabalho, com as mesmas obrigações, mas o empregador remunerava melhor o Varão. O empregador não fez prova da suposta diferença de perfeição técnica ou produtividade. Assim, sendo incontroversa a identidade de funções e não provada a diferença de perfeição técnica, é injustificada a distinção salarial, fazendo jus a autora ao pagamento das diferenças salariais. Diante desse quadro, presentes os pressupostos exigidos pelo art. 461 da CLT em relação ao paradigma imediato, deve ser mantida a sentença. (TRT da 8ª Região; Processo: 0000221-59.2021.5.08.0111 ROT; Data: 24/05/2023; Órgão Julgador: 3ª Turma; Relator: CARLOS RODRIGUES ZAHLOUTH JUNIOR)
A trabalhadora também terá direito a equiparação dos salários. No que se refere à equiparação, o TRT9 acordou da seguinte forma:
DANO MORAL. ASSÉDIO SEXUAL NO AMBIENTE DE TRABALHO. CONVENÇÃO 190 DA OIT. PROTOCOLO PARA JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO DO CNJ. ATOS DE CONSTRANGIMENTO COMPROVADOS. ABUSO DE PODER HIERÁRQUICO E DESRESPEITO AO GÊNERO FEMININO CARACTERIZADOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA EMPREGADORA. A prova do assédio no ambiente de trabalho, especialmente o de natureza sexual, é, em regra, de extrema dificuldade, pois as condutas são realizadas de forma clandestina, sem a presença de outros participantes. O fato se agrava quando os atos de constrangimento se dirigem a vítimas do gênero feminino e ocorrem durante o exercício do labor, no qual há uma inegável subordinação estrutural que impede a imediata resposta ou até mesmo defesa da vítima. Nesse cenário, ganha destaque a Convenção 190 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que, embora ainda não tenha sido ratificada pelo Brasil, expressa um compromisso para eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho. De modo semelhante, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) constitui importante instrumento sobre a questão da igualdade e também um guia para que os julgamentos possam garantir o direito à igualdade e à não discriminação de todas as pessoas. Desse modo, reconhecida a validade das falas das vítimas em conjunto com os demais elementos probatórios, têm-se comprovados os atos de constrangimento, caracterizadores do assédio sexual no ambiente de trabalho. No presente caso, o Coordenador se dirigia às empregadas (ao menos duas), lançando-lhes olhares indiscretos e falas desnecessárias e indelicadas, com questionamento acerca da vida sexual, além de indiretas sobre questões sexuais, caracterizando evidente abuso de poder hierárquico e desrespeito ao gênero feminino. O ato não era unicamente direcionado à Reclamante, vítima definida, mas atingia as empregadas mulheres em razão de sua condição de gênero feminino, o que não pode ser desconsiderado pelo Poder Judiciário. Diante da gravidade da conduta, que, além de atingir a moral da trabalhadora, perpetua a dominação masculina, colocando as mulheres em condição de subordinação em relação aos homens, deve a empresa Ré ser condenada ao pagamento de indenização por danos morais. Responsabilidade objetiva que se reconhece. Recurso da Autora a que se dá provimento. (TRT-9 – ROT: 0000317-61.2022.5.09.0095, Relator: RICARDO TADEU MARQUES DA FONSECA, Data de Julgamento: 15/02/2023, 4ª Turma, Data de Publicação: 27/02/2023)
De fato a ausência de equidade salarial de gênero traz diversas consequências legais e a trabalhadora precisa ser orientada por um profissional qualificado. A orientação de um profissional vai permitir provar a existência da disparidade de tratamento entre o homem e a mulher, viabilizando os pedidos na justiça.
Para garantir um bom resultado no processo, é fundamental apresentar o contracheque do homem que tem renda superior.
Originalmente publicado em https://advogadoscarneiro.com.br/equidade-salarial-genero/
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