*Paulo Martins
Qual recado você deixa para aqueles que pensam em ser professor?
Essa foi a última de muitas perguntas direcionadas a mim, em uma entrevista recente, feita por uma estudante de Letras, para o seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso).
Era uma terça-feira à tarde, quente, como são os dias tocantinenses. Terminei minha última aula, caminhei em direção à biblioteca da escola, onde aconteceria a entrevista.
Enquanto eu atravessava o pátio do colégio, para ir ao encontro da futura professora e responder as perguntas, que ainda nem imaginava quais seriam, pensei sobre o meu papel enquanto professor.
Quase duas décadas já haviam se passado, desde que pisei pela primeira vez em uma sala de aula, como professor.
Após formado, vieram as primeiras dificuldades: firmar na profissão, entrar para o mercado de trabalho. Há muitos profissionais formados, especialmente em áreas como Letras, História, Geografia, o que torna o mercado competitivo.
Eu rodava de moto pelas ruas de Goiânia, de colégio em colégio, com um sonho na cabeça e, muitas vezes, com o meu filho pequeno na garupa, deixando currículos, os quais, acredito, nem sequer foram lidos.
No primeiro emprego, a luta para se firmar, não ser dispensado, afastar o fantasma do desemprego. Muitos recém-formados sentem-se inseguros diante da sala de aula, do planejamento, da gestão de sala e da aceitação pela turma, o que não foi diferente comigo.
No início, acreditava que o maior desafio seria dominar os conteúdos e saber compartilhá-los com maestria. Sempre, antes de iniciar qualquer aula, havia o receio de surgir uma pergunta difícil e eu não saber respondê-la.
Com os anos, compreendi que ser professor era bem mais complexo do que dominar conteúdo. São muitos os desafios. Entre eles: saber se comunicar, ouvir, motivar, manter um bom relacionamento, lidar com a inclusão e conflitos, pressão por resultados, aceitar as próprias limitações, lidar com a precarização da profissão, a busca por saúde mental e valorização.
Tudo isso, eu também disse durante a entrevista. Porém, com cuidado, claro, para não parecer cético. Pois a minha intenção não era ser pessimista, mas ser realista e alertar para os desafios enfrentados por milhares de professores todos os dias nesse imenso país.
Cheguei até a biblioteca, abri a porta e entrei. Ao fundo, entre duas estantes de livros, sentada em uma cadeira, estava a entrevistadora, sorridente, simpática. Sobre a mesa, um gravador, um caderno e canetas. Antes de me sentar, pensei, será uma excelente professora.
Ao terminar as perguntas, ela disse:
– Qual recado você deixa para aqueles que pensam em ser professor?
– Que tenham resiliência, se reinventem sempre. O desgaste emocional é real, por isso, tenham momentos de descanso, trabalhe em equipe, para que o fardo seja mais leve.
Haverá dias difíceis, mas lembrar que você pode transformar vidas dará sentido à jornada. Somos a ponte entre o saber e o sonhar. Nunca se esqueçam, trabalhamos com sonhos. Não será fácil, mas será nobre e gratificante.
*Paulo Martins é professor, escritor, mestre em Letras, autor dos livros “Cemitério das bonecas e outros contos (2022)” e “Vamos conversar: crônicas” (2017). @profpaulo_martins